Nos últimos meses, o Brasil enfrenta um paradoxo complexo no setor elétrico: a oferta de energia tem superado a demanda, mas essa capacidade excedente não se traduziu em alívio financeiro. Pelo contrário, a conta de luz cara tornou-se uma realidade ainda mais presente, com a energia elétrica residencial acumulando uma alta de 16,42% entre janeiro e setembro, segundo o IPCA.
A explicação para esse cenário, segundo especialistas, envolve múltiplos fatores, incluindo o próprio excesso de geração, o modelo de contratação, o avanço da geração distribuída (GD) e, principalmente, os subsídios bilionários pagos pelos consumidores.
O desequilíbrio causado pela Geração Solar (GD)
Um dos principais fatores que encarecem a energia é, ironicamente, o seu excesso. Este excedente é impulsionado, em grande parte, pela escalada da geração distribuída (GD), composta majoritariamente por painéis solares instalados em telhados de residências e comércios.
O problema ocorre em dois momentos distintos do dia. Durante o período de sol intenso, tipicamente entre 10h e 16h, essas “microusinas” injetam um volume massivo de energia na rede. Contudo, esse é frequentemente um horário de consumo mais baixo.
Para evitar uma sobrecarga no sistema, que poderia levar a um apagão, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) é forçado a realizar o “curtailment”, ou seja, cortar a geração de outras usinas (como hidrelétricas ou eólicas), o que gera prejuízo para esses empreendimentos. A complexidade dessa operação ficou evidente no Dia dos Pais, 10 de agosto, quando o ONS precisou cortar cerca de 90% da geração para evitar um colapso, diante de uma alta produção e queda no consumo pelo feriado.
No fim da tarde e início da noite, o cenário se inverte drasticamente. As usinas solares param de produzir pela falta de sol, exatamente quando a demanda residencial começa a crescer, atingindo seu pico. Para suprir essa necessidade imediata, o ONS é obrigado a acionar usinas térmicas, que são caras e poluentes.
Elbia Gannoun, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), alerta que o preço da energia dessas unidades pode ser até cinco vezes mais caro que a média. Esse acionamento resulta na bandeira tarifária vermelha, que adiciona um custo de R$ 4,46 para cada 100 kWh consumidos.
Por que a conta de luz fica mais cara
O segundo pilar que explica a conta de luz cara é o sistema de subsídios (encargos) do setor elétrico, que recai quase integralmente sobre o “consumidor cativo”, aquele atendido pelas distribuidoras locais.
Dados recentes da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) revelam que os subsídios para o setor já somaram R$ 39 bilhões em 2025 (até outubro), representando 17,58% da tarifa residencial. Esse montante, que em 2018 era de R$ 18,8 bilhões, atingiu R$ 48,9 bilhões no ano passado e continua crescendo.
A análise detalhada desses valores mostra que a Geração Distribuída, que tanto pressiona o sistema, é também uma das principais beneficiadas: R$ 11,813 bilhões foram concedidos à GD, valor muito próximo dos R$ 11,853 bilhões destinados a outras fontes incentivadas.
“Temos uma estrutura de produção de energia razoavelmente favorável”, avalia Paulo Cunha, pesquisador da FGV Energia. “Mas tudo isso foi construído com base em uma série de subsídios que, talvez, em algum momento, fossem necessários. Com o passar do tempo, esses subsídios foram se perenizando… e a sociedade não teve capacidade de suspender esses benefícios”.
Ravi Fochi, analista da PSR, pondera que, embora alguns subsídios tenham justificativas sociais importantes, como financiar descontos para baixa renda, “a conta de luz também conta com encargos questionáveis”.
Desafios de planejamento, contratos e geografia
O avanço desenfreado da Geração Distribuída, sem planejamento cuidadoso, criou distorções. O ONS, responsável por equilibrar oferta e demanda, vem perdendo parte desse controle, pois a GD injeta energia diretamente na rede de distribuição. “Esse desequilíbrio entre a carga que não cresceu e a oferta que cresceu assustadoramente explica boa parte dessa questão desse alto custo da energia”, afirma Cunha.
Além disso, Nivalde de Castro, coordenador-geral do Gesel/UFRJ, explica que o consumidor cativo está preso a contratos de leilões de usinas mais antigas, cujo preço é mais elevado. “O excesso de energia ocorreu por causa dos subsídios para os painéis solares nas residências e para os consumidores do mercado livre, que não pagam muitos dos penduricalhos do setor”, diz Castro.
Há ainda um fator geográfico: a maior parte da geração renovável está concentrada no Nordeste, enquanto o maior centro de consumo é o Sudeste. “Essa diferença regional torna inviável o escoamento de toda a energia produzida… gerando desperdícios e custos adicionais ao sistema”, completa Ravi Fochi.
Historicamente, todos os desequilíbrios do setor elétrico brasileiro são repassados ao consumidor, como ocorreu no racionamento de 2001. A solução para cobrir os prejuízos atuais do “curtailment” (corte de usinas) ainda é incerta, mas a expectativa do setor é que, mais uma vez, ela venha na forma de uma nova taxa na conta de luz.
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