Estudo revela que maioria dos indígenas e quilombolas vive fora das áreas protegidas; precariedade e falta de infraestrutura em terras demarcadas são apontadas como principais causas da migração.
Um levantamento recente divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), durante a realização da COP-30 em Belém, trouxe à tona um cenário desafiador para as políticas públicas no Brasil: o esvaziamento populacional das terras demarcadas. A publicação “Áreas Protegidas na Amazônia Legal: um retrato ambiental e estatístico”, baseada nos dados do Censo de 2022, indica que a maioria das populações indígenas e quilombolas da região optou por viver fora dos territórios oficialmente delimitados.
Os números apresentados pelo IBGE questionam a eficácia do atual modelo de ocupação e a capacidade de fixação dessas populações em seus locais de origem. Nas terras demarcadas da Amazônia Legal — região que abrange nove estados do Norte, Centro-Oeste e Nordeste —, o fenômeno do êxodo é estatisticamente comprovado. Segundo o estudo, 53,52% dos indígenas vivem fora de suas terras. A situação é ainda mais acentuada entre os quilombolas, onde 81,01% residem fora dos territórios titulados.
Infraestrutura precária impulsiona a migração
Embora o debate público frequentemente se concentre na necessidade de ampliação das terras demarcadas como estratégia de preservação cultural e ambiental, os dados sugerem que a simples delimitação do território não tem sido suficiente para garantir a permanência dessas populações. Pesquisadores e especialistas apontam que a migração para centros urbanos é impulsionada, principalmente, pela busca de melhores condições de vida e acesso a serviços básicos, que são escassos nessas áreas protegidas.
Atualmente, as terras indígenas correspondem a mais de 13% de todo o território nacional, abrigando um contingente potencial de 1,7 milhão de pessoas. Na Amazônia Legal, essas áreas somam 1,1 milhão de quilômetros quadrados. No entanto, a vastidão territorial contrasta com a ausência de infraestrutura essencial. O levantamento do IBGE aponta que 75,19% dos habitantes das terras demarcadas enfrentam algum tipo de precariedade no saneamento básico, seja no abastecimento de água, na destinação de esgoto ou na coleta de lixo.
A educação é outro gargalo significativo. A taxa de analfabetismo nas áreas indígenas chega a 23%, um número alarmante quando comparado à média nacional de 5,3%. Esses indicadores sociais revelam que, sem políticas de desenvolvimento econômico e social atreladas à terra, a tendência de êxodo tende a se manter ou até intensificar.
Saúde fragilizada e mortalidade elevada
Além da infraestrutura básica, a saúde pública dentro das terras demarcadas apresenta índices preocupantes, que funcionam como vetores de expulsão dessas comunidades. Dados compilados pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com base no DataSUS, mostram uma disparidade crítica na saúde materna. A taxa de mortalidade materna entre mulheres indígenas foi registrada em 115 mortes a cada 100 mil nascidos vivos, quase o dobro da taxa nacional, que é de 67 por 100 mil.
A mortalidade infantil segue a mesma tendência trágica. De acordo com o Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI), a taxa de mortalidade entre crianças indígenas de até quatro anos foi de 34,7 por mil em 2022. Para efeito de comparação, a média brasileira no mesmo período foi de 14,2 mortes. A falta de assistência médica adequada obriga muitas famílias a deixarem as terras demarcadas em busca de sobrevivência e atendimento nos polos urbanos.
Segurança e desafios econômicos
A decisão de abandonar as terras demarcadas não passa apenas pela busca de serviços, mas também pela fuga da insegurança. Muitas dessas áreas na Amazônia sofrem com a pressão de atividades ilegais, como o garimpo, a extração de madeira e a pesca predatória, muitas vezes controladas pelo crime organizado. Sem alternativas econômicas viáveis e sustentáveis dentro dos territórios, parte da população acaba ficando vulnerável ao aliciamento por essas atividades ilícitas ou migra para as periferias das cidades, levando consigo as vulnerabilidades sociais de origem.
O estudo do IBGE lança luz sobre a complexidade da gestão territorial na Amazônia. Os dados indicam que a política de terras demarcadas, embora fundamental para a conservação da floresta — visto que o desmatamento é a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa no Brasil —, necessita vir acompanhada de um plano robusto de Estado. O desafio exposto pelos números é claro: garantir que a terra demarcada seja também um lugar digno para se viver, com oportunidades, segurança e direitos básicos assegurados.
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