A megaoperação policial realizada nesta terça-feira (28) nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, que resultou em 119 mortos segundo o governo fluminense, pode ter implicações diretas na estrutura do Comando Vermelho Amazonas. Entre os mortos estão líderes da facção, e especialistas em segurança pública apontam que alguns deles possivelmente mantinham vínculos diretos com o controle do tráfico no estado amazônico.
Enquanto a Secretaria de Segurança Pública do Rio ainda não confirmou oficialmente todas as identidades, análises de ex-secretários do Amazonas indicam que a operação atingiu um ponto nevrálgico que conecta o crime organizado nos dois estados.
A “Rota do Solimões” e o comando central no Rio
O coronel da PM Amadeu Soares, ex-secretário de Segurança Pública do Amazonas, afirma que a facção fluminense detém o controle total da chamada “Rota do Solimões”, via estratégica para o tráfico internacional de drogas que escoa a produção do Peru e Colômbia.
“O Comando Vermelho controla a rota aqui na tríplice fronteira”, explica Soares. “Essa rota é estratégica porque conecta os produtores de cocaína e maconha tipo skunk aos grandes centros do país”. Segundo ele, as hidrovias são essenciais: “O acesso pelos rios da Amazônia, aqui Solimões, o próprio Rio Amazonas… é o que leva também a outros estados. A nossa hidrovia aqui é utilizada em larga escala por eles”.
Amadeu Soares ressalta que há fortes indícios de que membros do Comando Vermelho Amazonas estavam alojados no complexo carioca. “De lá, eles comandariam as ações aqui no Amazonas, incluindo aí foguetório e as ações de repressão que o comando da facção determina para cá”.
O coronel Walter Cruz, ex-subcomandante da PM e ex-secretário Extraordinário de Governo, corrobora essa visão, classificando-a como uma consequência da expansão da facção. “Quando o Comando Vermelho se instalou no Amazonas, estabeleceu uma parceria com o grupo do Rio. Se um integrante daqui tem problema, vai pra lá. Fica um tempo, o que eles chamam de ‘engorda’, até o cenário acalmar”, detalha.
Um levantamento da Subsecretaria de Inteligência da Polícia Civil do Rio, divulgado pelo Jornal EXTRA, identificou 152 traficantes de outros estados abrigados em favelas fluminenses, sendo 21 deles oriundos do Amazonas (a maioria, 78, é do Pará).
Impactos Imediatos
A morte de líderes com atuação no Amazonas, caso confirmada, deve gerar reflexos imediatos na estrutura local. “Em caso de morte, eles recompõem rápido a liderança”, avalia Amadeu Soares. “Uma nova liderança é alçada e precisa montar seu time. Isso mexe com a dinâmica do crime aqui”.
Walter Cruz confirma que um dos mortos na operação já era conhecido no meio policial amazonense. “Um deles, o Neném, é do Comando Vermelho. Já foi preso várias vezes. Esses indivíduos costumam se refugiar no Rio quando estão com mandado (de prisão) em aberto ou pra se reorganizar. Lá, recebem treinamento, tratam do dinheiro do tráfico e de outras atividades da facção”.
Contudo, os especialistas divergem sobre o risco imediato de represálias no Amazonas. Walter Cruz não vê esse perigo iminente. “Hoje o Comando Vermelho é hegemônico no estado, ele toma conta de praticamente quase 100% das operações… Se tivesse outras facções aqui atuando, aí sim… sempre vai haver uma questão de disputa de território”, comenta. “Eu não vejo, por enquanto, nenhum motivo para tipo de represália”.
Amadeu Soares pensa diferente: “Riscos sempre há. Agora, eu acredito mais em represálias lá no próprio Rio de Janeiro, considerando aqui que eles ficaram ofendidos com a ação contundente que o Estado do Rio de Janeiro tomou contra eles”.
Desafios estratégicos e críticas à integração
Ambos os coronéis concordam que a operação no Rio serve como um alerta nacional e exige uma resposta estratégica, especialmente no Amazonas. “O coração da facção foi atingido. E como a Amazônia é uma região estratégica para o tráfico, isso precisa ser tratado como prioridade pelos três níveis de governo”, defende Soares, que cobra um “bloqueio estruturado” para coibir que o Amazonas “continue exportando drogas, armas e violência para o resto do Brasil”.
Walter Cruz cobra ação imediata da Secretaria de Segurança local. “Tem que sentar, rediscutir as suas ações… Porque apesar do número de homicídios ter diminuído, a quantidade do tráfico aumentou, roubos e furtos aumentaram, e nós não podemos ficar reféns desse processo”.
A cooperação entre as forças é um ponto-chave. Soares elogia a integração estadual: “Um e-mail, às vezes… um ofício do secretário, na hora, as polícias estaduais têm, sim, uma cooperação muito grande”.
Walter Cruz, no entanto, aponta uma falha grave na esfera federal. “Hoje há uma política de cooperação, a gente chama de interagências… [mas] hoje mesmo eu tava vendo… o diretor da Polícia Federal dizendo que tinha recusado participar da operação junto com as polícias militares. Isso é um problema que nós temos já há muito tempo. Essa falta de integração das polícias federais com as polícias estaduais”.
Por fim, Cruz critica o sistema judicial, que facilitaria a reincidência. “Esses caras já foram presos 10, 12 vezes… O país precisa rediscutir isso. Essa política do não encarceramento, ela faz com que o indivíduo volte a ter atividade criminosa. Ele era do Comando Vermelho, aí ele fica de tornozeleira eletrônica, você acha que ele vai virar pedreiro? Claro que não. Ele vai pro crime”.
O governador do Amazonas, Wilson Lima, comentou nas redes sociais a megaoperação no Rio de Janeiro, destacando que o combate à criminalidade é um desafio nacional e reforçando os esforços do governo amazonense para fortalecer a segurança pública no estado.
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