Medida que inclui trechos dos rios Madeira, Tocantins e Tapajós no Programa Nacional de Desestatização (PND) mobilizou especialistas, movimentos sociais e comunidades tradicionais em todo o país. A iniciativa reacendeu debates sobre direitos territoriais, impactos ambientais e modelos de desenvolvimento para a Amazônia.
Privatização de rios tornou-se tema central no debate nacional após a publicação do Decreto nº 12.600/2025, que incluiu os três rios amazônicos no PND. A decisão desencadeou críticas de organizações socioambientais, pesquisadores, parlamentares e movimentos populares, que apontam riscos jurídicos, ambientais e sociais associados à medida.
O governo afirma que a desestatização das hidrovias tem como objetivo modernizar a infraestrutura de transporte e atrair investimentos privados. No entanto, especialistas e representantes de comunidades tradicionais argumentam que a proposta altera profundamente a gestão de ecossistemas estratégicos para a região e pode afetar o modo de vida de milhares de famílias que dependem diretamente dessas águas.
Debate jurídico e ausência de consulta prévia
Um dos principais pontos levantados por entidades e especialistas é o descumprimento da consulta livre, prévia e informada, prevista na Convenção 169 da OIT, um instrumento internacional ratificado pelo Brasil em 2004 e reforçado por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo representantes de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e pescadores, o decreto foi elaborado sem diálogo com as comunidades afetadas. Para essas populações, mudanças na gestão e uso dos rios alteram práticas tradicionais, rotinas de transporte e atividades de subsistência.
Instituições como a Universidade Federal do Pará (UFPA) e o Instituto Socioambiental (ISA) destacam que megaprojetos fluviais podem resultar em deslocamentos compulsórios, contaminação por sedimentos e alterações hidrológicas de grande impacto para a biodiversidade amazônica.
Impactos ambientais e riscos à biodiversidade
Estudos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e de organizações ambientais alertam para o potencial de aumento de dragagens, derrocamentos e tráfego de embarcações de carga em larga escala. Tais intervenções costumam elevar a turbidez da água, interferir em rotas migratórias de peixes e aumentar o risco de acidentes.
Exemplos do passado reforçam as preocupações. Um relatório do Ministério Público Federal (MPF) de 2021 apontou que a dragagem do rio Madeira resultou em redução significativa na oferta de peixes em 15 municípios do Amazonas e Rondônia. Especialistas afirmam que repetir esse modelo sob concessão privada, com menor controle estatal, pode intensificar impactos socioambientais.
Cobrança de tarifas e efeitos sobre circulação comunitária
Outra preocupação envolve a possibilidade de cobrança de tarifas para navegar em trechos administrados pela iniciativa privada. Pesquisadores do Observatório dos Rios da Amazônia afirmam que isso pode afetar o direito de ir e vir de populações tradicionais, para as quais os rios são a principal via de deslocamento.
Organizações locais ressaltam que as hidrovias incluídas no PND estão entre os principais corredores de escoamento da produção agrícola e mineral — especialmente soja e minério — como mostra a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Para críticos, a privatização tende a priorizar demandas logísticas do agronegócio e da mineração em detrimento do uso comunitário.
Entidades apontam riscos à soberania nacional
Além dos impactos ambientais e sociais, organizações como a Frente Amazônica de Mobilização (FAM) e o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar alertam que a concessão de trechos estratégicos pode fragilizar o controle territorial do Estado brasileiro.
Como parte dos investimentos previstos é financiada com recursos públicos, críticos afirmam que a iniciativa transfere lucros à iniciativa privada, enquanto amplia vulnerabilidades sobre áreas de alto valor estratégico.
Reação no Congresso Nacional
No Congresso, parlamentares da oposição articulam medidas para sustar o decreto. A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) apresentou o PDL 942/2025, alegando que a medida fere interesses coletivos e altera o regime jurídico de bens públicos, argumento previsto na Constituição para sustação de atos do Executivo.
Lideranças da bancada ambientalista e da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas afirmam que qualquer política para a região amazônica deve ser construída com participação direta das comunidades afetadas.
Mobilizações e protestos em várias capitais
Movimentos sociais e organizações ambientais anunciaram atos públicos para os próximos dias. Entre as entidades que aderiram às mobilizações estão a Coalizão Negra por Direitos, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Greenpeace Brasil.
Para essas organizações, o decreto representa uma retomada de modelos de exploração que tratam a Amazônia como corredor de exportação, sem considerar impactos socioambientais e o papel das populações tradicionais na preservação da floresta.
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