Delito abrange desamparo material, físico e afetivo. Com o envelhecimento acelerado da população, casos de negligência familiar e estatal exigem atenção redobrada.
O abandono de idosos é um crime que vem crescendo de forma alarmante no Brasil, refletindo uma crise silenciosa nos lares e instituições do país. Dados recentes revelam que o desamparo, seja ele físico, financeiro ou afetivo, não para de fazer vítimas. Entre 2023 e 2024, as denúncias subiram 26%. Em resposta, a legislação tornou-se mais severa este ano, buscando frear a violação de direitos de uma população que cresce em ritmo acelerado.
Um caso emblemático ilustra a gravidade do cenário. Marta*, de 71 anos, foi internada em um hospital de Osasco (SP). Inicialmente acompanhada pelo marido, logo se viu sozinha no leito, sem visitas, enquanto o quadro de saúde estagnava. A ausência levantou suspeitas.
Meliana Emiliano, agente social, investigou a situação e encontrou o marido na residência do casal. “Ele estava vivendo muito bem com a aposentadoria da esposa, sem ir visitá-la”, relata Meliana. Apenas após intervenção jurídica para que o benefício fosse destinado aos cuidados de Marta é que o companheiro retornou ao hospital. O caso não é isolado e compõe as estatísticas do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
Estatísticas alarmantes sobre o abandono de idosos
Segundo o painel da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, as denúncias de abandono de idosos saltaram de 49.749 em 2023 para 62.688 em 2024. Até novembro de 2025, os registros de violação da integridade física por meio de abandono já somavam mais de 60 mil casos.
Essa curva ascendente colide com a transição demográfica brasileira. O Censo de 2022 do IBGE apontou que a população com mais de 60 anos cresceu 56% em relação a 2010, ultrapassando a marca de 32,1 milhões de pessoas, o que representa quase 16% dos brasileiros.
O que configura o crime e suas causas
Para Alexandre da Silva, Secretário Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, o abandono de idosos vai além da ausência física. Ele se manifesta na negligência diária. “É quando se oferece apenas o mínimo de comida, não há troca de afeto e compromete-se a dignidade”, explica.
Silva destaca que, muitas vezes, a situação é agravada pela precariedade financeira das famílias que, sem intenção de dolo, não conseguem suprir as demandas complexas do envelhecimento. O secretário reforça que o abandono não é exclusivo da família, mas também do Estado e da comunidade quando falham na assistência básica.
Fatores sociodemográficos também influenciam:
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Aumento da expectativa de vida;
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Queda na taxa de fecundidade;
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Redução das famílias (menos membros para cuidar);
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Entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho (historicamente as principais cuidadoras).
Diferença entre desamparo e abandono intencional
Maria Alzira Alvarenga, promotora de Justiça e coordenadora do centro de apoio à Pessoa Idosa do MPSP, faz uma distinção crucial para a tipificação do crime. Segundo ela, o “desamparo” pode decorrer da falta de recursos ou cognição comprometida do idoso. Já o “abandono total” é uma atitude dolosa, onde a família tem condições, mas escolhe ignorar o parente.
“Deixar o idoso à própria sorte pode ser crime. Se os filhos têm capacidade de cuidar e intencionalmente não contribuem, podem ser processados por abandono”, alerta a promotora. O Ministério Público atua para garantir a integridade dessas vítimas.
No dia a dia, o abandono afetivo e financeiro é mais comum que o físico, segundo Amanda Lourenço, agente social do Centro de Referência do Idoso (Creci) em São Paulo. “Temos idosos ativos, então é raro o abandono físico total, mas é comum o uso do dinheiro deles sem permissão”, exemplifica.
Penas mais rígidas com nova legislação
Sancionada em julho deste ano, a Lei 15.163 endureceu o combate à violência contra vulneráveis. No contexto do abandono de idosos, a norma aumenta as penas para crimes de maus-tratos e exposição a perigo.
O Artigo 99 do Estatuto da Pessoa Idosa teve a punição alterada de detenção para reclusão de dois a cinco anos. Anteriormente, a pena máxima era de um ano para quem submetesse idosos a condições desumanas, privação de alimentos ou trabalho excessivo.
Direitos garantidos e como denunciar
O Estatuto da Pessoa Idosa, que completou 22 anos em outubro, é claro: é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a dignidade, saúde e alimentação desta população. João Paulo Iotti, da OAB-SP, compara esse dever à pensão alimentícia de pais para filhos. “A negligência material é perigosa e pode levar à morte”, adverte o advogado, que defende mais educação sobre o envelhecimento nas escolas.
A denúncia é a principal ferramenta de combate. Qualquer cidadão, seja vizinho, amigo ou familiar, pode reportar suspeitas de abandono de idosos de forma anônima através do Disque 100 (Disque Direitos Humanos) ou nos conselhos municipais.
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