Impulsionada pela COP30 e pelo custo proibitivo do diesel, a transição energética fluvial avança em Belém. No entanto, a mudança esbarra em desafios críticos de custo, autonomia e no descarte de milhares de baterias.
Uma transição silenciosa e urgente está ganhando força nas águas do Pará. A adoção de barcos elétricos no Pará está deixando de ser uma promessa futura para se tornar uma necessidade socioeconômica e ambiental. Para as comunidades ribeirinhas, onde os rios são as únicas estradas, a dependência de motores a diesel se tornou um fardo insustentável, consumindo até 40% da renda familiar mensal apenas com combustível.
Impulsionada pela visibilidade global da COP30, que ocorre em Belém em novembro de 2025 , uma corrida tecnológica começou. De um lado, universidades desenvolvem protótipos de alta performance; do outro, startups buscam escalar soluções ágeis para o dia a dia da população. A eletrificação fluvial promete não apenas descarbonizar, mas emancipar economicamente milhares de pessoas, eliminar a poluição química dos rios e silenciar motores que afetam a fauna aquática. Contudo, esta revolução enfrenta gargalos significativos, desde o alto custo inicial até um novo e complexo desafio ambiental: o que fazer com as baterias de lítio no fim de sua vida útil na floresta.
A urgência dos barcos elétricos é melhor compreendida pela crise do modelo atual. A frota legada, movida a diesel e gasolina, impõe um custo triplo. O primeiro é socioeconômico: o preço do combustível limita o acesso à saúde, educação e o escoamento da produção. Estudos indicam que a troca por um motor elétrico pode reduzir os custos de transporte em até 75%.
A vanguarda dos barcos elétricos no Pará: da universidade ao ribeirinho
Dois ecossistemas de inovação distintos estão liderando a eletrificação fluvial no estado:
-
Eixo Institucional (UFPA e Norte Energia): Focado em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) de ponta, esta parceria é financiada com fundos regulados pela ANEEL, via Norte Energia. O projeto mais visível é o “Poraquê”, o primeiro catamarã movido a energia solar da Amazônia, lançado em setembro de 2024. Com capacidade para 40 passageiros e autonomia de 6 a 8 horas, ele transporta a comunidade acadêmica no campus da UFPA. Esta iniciativa também desenvolve a “Enguia” (ou “Poraquê II”), uma voadeira elétrica (barco menor) com autonomia de 40 km, projetada para ser acessível e substituir o consumo de 1.400 litros de diesel por mês por embarcação.
-
Eixo de Mercado (Solalix / E-UBÁ): Com foco na escalabilidade e no usuário final, startups como a Solalix abordam o problema de forma diferente. Sua principal inovação não são barcos novos, mas “E-Rabetas” — kits de conversão que substituem o motor de popa a diesel por um elétrico. Reconhecendo a falta de rede elétrica, a solução E-UBÁ propõe estações solares flutuantes e um sistema de baterias de lítio modulares e intercambiáveis. O usuário não espera a recarga; ele simplesmente troca a bateria vazia por uma cheia, num modelo similar ao do botijão de gás. A meta é levar a solução a 6.500 comunidades.
O dilema da bateria: Autonomia e custo de investimento
Apesar dos avanços, a adoção em massa esbarra em dois grandes desafios práticos. O primeiro é a autonomia. Os rios amazônicos exigem longas travessias, superando a capacidade da maioria das baterias atuais. Para isso, duas filosofias de engenharia competem: a solução híbrida (diesel-elétrica), que usa um gerador a diesel de apoio para longas distâncias, reduzindo drasticamente o consumo ; e a solução logística da E-UBÁ, que aposta na capilaridade de sua rede de troca de baterias.
A COP30 em Belém está funcionando como um catalisador, forçando investimentos e dando visibilidade global a esses projetos. Grandes linhas de fomento estão se abrindo, como os R$ 25 bilhões projetados pelo Banco da Amazônia (Basa) para logística e indústria naval e os fundos do BNDES para grandes embarcações.
Contudo, uma lacuna crítica permanece no “varejo”. Não existe, hoje, um microcrédito acessível para o ribeirinho comprar um kit de conversão de R$ 15 mil. Além disso, uma “cegueira terrestre” afeta a política de incentivos: o Governo do Pará aprovou a isenção de IPVA para carros elétricos , um modal de luxo urbano, ignorando o principal meio de transporte do estado, os barcos.
A Troca de Poluição? O Desafio Silencioso da Bateria de Lítio
A maior ameaça à sustentabilidade de longo prazo dos barcos elétricos no Pará é paradoxal: a própria bateria. A eletrificação elimina o risco de derramamento de óleo , mas introduz milhares de fontes de contaminação por lítio e metais pesados num ecossistema sensível.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos exige a logística reversa , mas, atualmente, não há um plano sistêmico e público para coletar baterias exauridas em comunidades ribeirinhas isoladas. O risco é trocar a poluição do diesel pela poluição química das baterias descartadas incorretamente.
A solução, no entanto, pode ser uma nova oportunidade de negócio: a “segunda vida” (Second-life) das baterias. Uma bateria que não serve mais para um barco pode perfeitamente ser usada como armazenamento estacionário, fornecendo energia limpa para escolas, postos de saúde ou até mesmo para as estações flutuantes de recarga , fechando o ciclo da economia circular na floresta.
Leia mais:
COP30: Pressão popular e alerta econômico marcam nova fase dos debates em Belém
Barco Hospital do Amazonas ganha apoio do Ministério da Saúde na COP30
BNDES anuncia R$ 21 bilhões na COP30 para acelerar transição verde no Brasil
Siga nosso perfil no Instagram, Tiktok e curta nossa página no Facebook
📲Quer receber notícias direto no celular? Entre no nosso grupo oficial no WhatsApp e receba as principais notícias em tempo real. Clique aqui.

