O mandato dos deputados federais Alexandre Ramagem (PL-RJ), Carla Zambelli (PL-SP) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP) permanece ativo mesmo com os três parlamentares fora do Brasil. Apesar de condenações e investigações em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), eles mantêm acesso a verbas e estrutura de gabinete, o que tem levantado críticas sobre a leniência da Câmara dos Deputados e o impacto na imagem do Congresso Nacional.
A fuga de Ramagem para os Estados Unidos consolidou o terceiro caso de autoposicionamento no exterior entre aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro. Condenado pelo STF a 16 anos de prisão por participação na tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022, o ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) foi localizado em um condomínio de luxo em Miami e é considerado foragido. Ele se licenciou do cargo em setembro, pouco antes de deixar o país, e gerou custo superior a R$ 300 mil desde então, segundo levantamento da revista Veja.
Carla Zambelli, por sua vez, foi presa na Itália em julho, após escapar do Brasil. Ela recebeu sentença de 10 anos pelo STF por invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Mesmo presa, os gastos com seu gabinete continuam ativos; apenas em setembro, a estrutura parlamentar ultrapassou R$ 100 mil, de acordo com a CNN Brasil. Já Eduardo Bolsonaro mudou-se para os EUA em fevereiro, alegando “perseguição política”. O deputado passou a responder no STF por suposta tentativa de coagir autoridades da Justiça brasileira ao influenciar representantes americanos no caso do ex-presidente.
Embora os salários de Eduardo Bolsonaro e Zambelli tenham sido congelados, seus gabinetes continuam operando. O site Metrópoles aponta que Eduardo já utilizou mais de R$ 1 milhão para manter os nove servidores aos quais tem direito.
Especialistas ouvidos pela DW afirmam que o caso expõe a fragilidade institucional da Câmara. Para o cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, “Do ponto de vista jurídico, existem leis e regras para coibir crimes, mesmo que cometidos por parlamentares. Mas, do outro lado, existe um regimento da Câmara, que parece ser desenhado para proteger os deputados”.
A perda de mandato de um parlamentar condenado depende de julgamento político: o processo precisa passar por comissões e ser aprovado pelo plenário, com pauta definida pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB). No caso de Zambelli, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) abriu pedido de cassação em julho, mas o processo não avançou ao plenário. Prando avalia que “Provavelmente, no seu regimento, existe esse espaço para que o Hugo Motta, que tem demonstrado debilidades no exercício do poder, não tome uma decisão que ao punir vai desagradar a base bolsonarista”.
A crise envolvendo a ocupação da mesa-diretora por deputados bolsonaristas, que paralisou os trabalhos por 36 horas em agosto, é vista por especialistas como um fator adicional de pressão sobre a atual presidência da Câmara. A atuação de Arthur Lira (PP-AL) foi decisiva para conter o episódio, o que, segundo Prando, deixou Hugo Motta “refém dessa bancada bolsonarista mais fanatizada”.
Outra possibilidade de perda de mandato ocorre por acúmulo de faltas: a Constituição prevê cassação quando o parlamentar falta a um terço das sessões do ano legislativo. Os dados da Câmara mostram que Eduardo Bolsonaro já se ausentou de 78% das sessões em 2025, enquanto Zambelli registra 55%. Ramagem, porém, segue com presença total registrada, já que sua licença mantém a contagem ativa.
“O Eduardo Bolsonaro talvez seja uma figura sem paralelos na Nova República, por atacar o país dos EUA, articulando tarifas contra o Brasil. Mesmo assim, o Hugo Motta não fez uma reunião para cassar o mandato dele por faltas. Enquanto isso, o regimento permite que uma presa na Itália [Zambelli], outro foragido nos EUA [Ramagem] e outro já réu e autoexilado sigam ganhando recursos públicos sem exercer o mandato”, afirma Prando. “O regimento da Casa permite. E se o STF toma uma decisão, os deputados falarão que é uma interferência dos Poderes.”
Além da esfera política, Eduardo Bolsonaro foi incluído na Dívida Ativa da União após solicitação da Câmara à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) por débitos de aproximadamente R$ 14 mil por ausência em votações.
O cientista político Lucas Pereira Rezende, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), considera que o comportamento dos três parlamentares reforça uma tentativa de desmoralização das instituições. Segundo ele, casos envolvendo condenados no exterior não geram impactos significativos nas relações internacionais. “É natural que, mesmo entre países parceiros, um processo de extradição possa demorar ou até mesmo ser negado, sem que isso abale as relações”, explica. “A maior ameaça não é para fora. É para dentro.”
Rezende avalia o “autoexílio” de Eduardo como repetição da estratégia bolsonarista de deslegitimar o Estado democrático. “É claro que ele [Eduardo Bolsonaro] está brincando com as instituições, já que o desligamento de um deputado por faltas é algo extremamente raro no Brasil. São formas, dentro do instrumental jurídico e normativo da Câmara, de se brincar com as regras.”
Desde a redemocratização, apenas três deputados perderam mandato por faltas: Chiquinho Brazão, acusado de mandar assassinar a vereadora Marielle Franco, e Felipe Cheidde e Mário Bouchardet, em 1989. No caso dos parlamentares que fugiram do país, Rezende defende que a ausência de ação da Câmara alimenta a percepção pública de permissividade. “O que vai acontecer é reforçar perante a sociedade brasileira a falta de compromisso com as demandas que afetam a sociedade. Está bastante claro o uso dessas narrativas, que visam favorecer uma visão específica do bolsonarista e dessas figuras individualmente”, conclui.
*Com informações do DW
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