Entenda como a prescrição do PCC em uma das maiores ações penais de São Paulo expõe a fragilidade logística do Judiciário e beneficia a cúpula da facção.
A prescrição do PCC, referente a um processo que investigava Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, e outros 174 acusados de integrarem a facção criminosa, foi oficializada pela Justiça de São Paulo nesta semana. A decisão encerra uma das ações mais antigas e complexas do estado sem que houvesse julgamento de mérito, ou seja, sem condenação ou absolvição dos réus. O episódio, que expôs uma fragilidade estrutural no sistema judiciário brasileiro, é classificado por especialistas como uma demonstração clara de “falha do Estado”.
A sentença foi proferida pelo juiz Gabriel Medeiros, da 1ª Vara de Presidente Venceslau (SP), e publicada no Diário Eletrônico da Justiça. O magistrado reconheceu que o Estado perdeu o prazo legal para punir os acusados. A ação penal teve início em 2009 e tratava de crimes de associação criminosa ocorridos até 2013. Como a pena máxima para esse crime é de seis anos, a lei estipula que o prazo prescricional é de 12 anos. Esse período expirou em setembro de 2025, tornando impossível a continuidade do processo.
Para a desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), o encerramento do caso revela uma “falta de capacidade” do poder público. Em análise técnica, a magistrada foi enfática ao afirmar que o reconhecimento da prescrição é a admissão de que o Estado não teve competência logística para conduzir o processo a tempo. “Quando passa todo esse prazo e o Estado não consegue receber a denúncia, processar, julgar, seja para condenar ou absolver, isso demonstra falha do Estado. É ele que tem de fazer isso”, avaliou a desembargadora.
Os bastidores da lentidão processual
A complexidade de julgar quase duas centenas de réus simultaneamente foi o fator determinante para a prescrição do PCC neste caso específico. O processo enfrentou obstáculos logísticos imensos. Segundo o juiz Gabriel Medeiros, parte dos réus nunca foi encontrada para ser citada pessoalmente, uma exigência legal para o andamento da ação. O tribunal precisou oficiar bancos, operadoras de cartão de crédito e o Tribunal Regional Eleitoral na tentativa de localizar os endereços dos acusados, muitas vezes sem sucesso.
Além disso, a infraestrutura tecnológica da época pesou contra a celeridade. A denúncia foi oferecida em um período em que os processos ainda eram físicos. A digitalização completa dos autos, que facilitaria o acesso e a tramitação, só foi concluída em 2024, quando o prazo já estava prestes a expirar. A estratégia do Ministério Público de não desmembrar o processo, mantendo todos os réus na mesma ação para preservar a unidade da prova, também contribuiu para o “gigantismo” da ação, tornando-a ingovernável dentro dos prazos legais.
O impacto da impunidade para a facção
Embora a prescrição do PCC soe como uma vitória para a facção, o impacto prático varia entre os acusados. Para a liderança máxima, como Marcola, o efeito é reduzido. Ele já cumpre penas que somam mais de 300 anos de prisão; portanto, uma nova condenação de seis anos pouco alteraria sua realidade carcerária.
No entanto, para os integrantes do chamado “baixo clero” da organização, o desfecho é extremamente vantajoso. Muitos desses réus não possuíam outras condenações graves. Com a extinção da punibilidade, eles permanecem tecnicamente primários perante a lei em relação a essa acusação, limpando sua ficha de antecedentes criminais. “O efeito, processualmente, é que eles não tiveram uma condenação. Quem tem só esse processo continua primário”, explica Ivana David.
Defesa e posicionamento oficial
A decisão foi recebida como uma medida técnica e legal pela defesa dos acusados. Em nota, o advogado de Marcola, Bruno Ferullo, afirmou que a prescrição é um instituto que garante segurança jurídica, impedindo que o Estado exerça seu poder punitivo eternamente. “A decisão respeita as garantias fundamentais e encerra definitivamente a persecução penal relativa aos fatos investigados”, declarou a defesa.
O Tribunal de Justiça de São Paulo também se manifestou, reiterando que a ação enfrentou obstáculos como a renúncia de advogados e a dificuldade de localização de réus. O caso serve agora como um exemplo crítico para o Judiciário, que tem adotado novas estratégias, como denúncias em núcleos menores de 20 pessoas e uso de audiências virtuais, para evitar que novas falhas estatais resultem em impunidade.
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