Entre 2023 e 2024, a Floresta Nacional do Tapajós, no estado do Pará, viveu o impacto de uma das piores secas já registradas na região amazônica. O Rio Tapajós encurtou mais de um quilômetro em sua margem, na comunidade Jamaraquá, onde a ribeirinha Ivanilda Fonseca relata que “por causa da mortalidade dos peixes, a reprodução em lagos e igarapés reduziu muito”. A consequência: a principal fonte de proteína para os ribeirinhos ficou escassa.
As plantações de mandioca renderam menos, as árvores abortaram frutos para sobreviver à estiagem, e a matéria-prima da floresta para produção de biojoias também sofreu forte queda. “É surreal isso. Só sabe quem vivenciou. Nós, que vivemos no dia a dia aqui, sentimos a diferença”, afirma Fonseca, ansiosa para ir à COP30 em Belém e levar sua voz à conferência.
Sul da Amazônia a “beira do ponto de não retorno”
Para quem interpreta o gigantesco volume de informações que a Amazônia gera, as mudanças são alarmantes. O ecossistema mais extenso do Brasil e um aliado vital para conter a emergência climática dá sinais claros de colapso. O climatologista Carlos Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia (SPA), afirma que “todo o sul da Amazônia, do Atlântico até a Bolívia, já está mudando… essa região está na beira do ponto de não retorno”.
Segundo o relatório recente do SPA, a estação seca já está de quatro a cinco semanas mais longa, a temperatura média subiu cerca de 2 °C e o período sem chuvas ficou de 20 % a 30 % mais seco. A crise, no entanto, não é somente resultado do aquecimento global: o desmatamento tem papel determinante, chegando a 74 % da diminuição das chuvas em alguns estudos. Se houvesse zero desmatamento, “nem mesmo a estação seca teria aumentado de quatro a cinco semanas”, completa Nobre.
Comunidades tradicionais e colapso socioecológico
Para as comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas da Amazônia, os impactos vão além do clima: afetam saúde, economia local e modos de vida. Na região sul, a capital de Rondônia, Porto Velho, por exemplo, viu o Rio Madeira atingir o nível mínimo histórico, com falta de água nas torneiras, na geração de energia e no transporte fluvial. No Pará, em 2024, 100% do território registrou seca, segundo medições da Agência Nacional de Águas (ANA).
A consequência em saúde pública foi imediata: aumento de doenças respiratórias por queimadas, casos de diarreia ligados à água de má qualidade e dificuldade de acesso a serviços de saúde em comunidades ribeirinhas e indígenas. As temperaturas mais altas e a menor disponibilidade de água favoreceram a proliferação de vetores e doenças como dengue, malária e leishmaniose.
Amazônia conectada e desconectada
A Amazônia engloba mais de 47 milhões de pessoas em nove países, com cerca de 400 povos indígenas e diversas comunidades tradicionais. Sua conectividade ecológica mantém a biodiversidade, mas a “desconectividade” — promovida por desmatamento, extração ilegal de madeira e garimpo — corrói essa riqueza. Conforme Nobre, “também temos a desconectividade que está destruindo a Amazônia, que é o crime organizado”.
Cientistas como Nobre e Marielos Peña‑Claros defendem que a Amazônia seja tratada como prioridade global nas negociações da COP, uma vez que o equilíbrio climático do planeta depende da boa saúde da floresta. Para Peña-Claros: “a COP deveria reforçar o compromisso dos países amazônicos com o desmatamento zero, com a recuperação de áreas degradadas e com o apoio financeiro internacional para mecanismos de conservação”.
Ivanilda Fonseca, moradora da comunidade Jamaraquá com cerca de duas mil famílias que dependem diretamente da floresta, resume: “Vivemos numa comunidade na floresta. Dependemos da floresta. Por isso a gente quer que todos os outros países nos ajudem a preservar a Amazônia.”
*Com informações da DW
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