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Crianças na Amazônia são as mais afetadas por secas e cheias históricas

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Na comunidade indígena de Porto Praia de Baixo, em Tefé (AM), o Rio Solimões é quem dita o ritmo da vida. Para as 116 famílias locais, ele representa transporte, alimentação e lazer. No entanto, as crianças na Amazônia, como as 200 que vivem ali, estão sentindo de forma desproporcional os impactos das mudanças climáticas. Ondas de calor, inundações e secas severas afetam principalmente os mais jovens, em uma realidade que se agrava ano após ano.

Tefé, conhecida como o coração da Amazônia, tem sofrido com eventos climáticos extremos que, segundo os moradores, são piores nos últimos anos.

“Na nossa época não tinha isso”

O cacique Anilton Braz da Silva, 55, da etnia Kokama, e sua esposa, Teresa Silva, 56, ambos nascidos e crescidos no local, testemunham a transformação. “Na época que a gente era adolescente não tinha isso, era estiagem normal. É isso que fico pensando, como mudou tudo, tanto a seca como a cheia”, relata Teresa.

A região sofreu com as maiores estiagens da história em 2023 e 2024. Tefé e todos os outros 61 municípios do Amazonas decretaram estado de emergência. Onde antes havia água, restou areia e lama.

A comunidade de Porto Praia de Baixo ficou isolada. A subsistência, baseada na venda de farinha de mandioca e banana, ficou severamente prejudicada. Até mesmo a pesca para consumo próprio se tornou um desafio. Era preciso longas caminhadas durante a madrugada para tentar pescar, já que o calor intenso impedia a travessia à luz do sol.

O impacto direto na saúde

Durante a seca, a situação é agravada pelas queimadas. A prática de queimar a vegetação para o plantio lança uma densa fumaça na região, que turva a visão e provoca graves problemas respiratórios.

Erica Gonçalves, 29, mãe de seis filhos, sentiu esses efeitos. Durante a gravidez de sua filha em 2023, passou mal diversas vezes devido ao calor. A menina, Sofia Emanuelle, hoje com 2 anos, nasceu durante a estiagem de 2024 e, com apenas três meses, desenvolveu bronquiolite. “As queimadas atrapalhavam, a gente via tudo branco quando acordava. A bronquiolite acho que teve a ver com isso porque a gente presenciava muito e ela era muito pequenininha”, relata Erica.

Se a seca traz problemas respiratórios, as cheias trazem os gastrointestinais. Quando as enchentes são extremas, o rio invade as casas de palafita. O contato com a água suja resulta em doenças como desinterias. Além disso, as crianças ficam isoladas dentro de casa, impedidas de brincar no rio.

Por que as crianças na Amazônia são as mais atingidas?

A ciência explica por que os mais novos são os que mais sofrem. Marcia Castro, professora de Demografia no Departamento de Saúde Global e População da Universidade Harvard, aponta que na primeira infância (0 a 6 anos), a fisiologia do corpo é diferente.

“As crianças inalam mais ar por quilo de peso corporal e absorvem mais poluentes em relação aos adultos enquanto seus pulmões estão em formação”, explica a especialista. Um relatório do Núcleo Ciência pela Infância, que conta com Castro entre os pesquisadores, destaca que é nessa fase que o ambiente impacta mais profundamente o desenvolvimento.

O documento projeta que crianças nascidas em 2020 enfrentarão mais desastres climáticos que as nascidas em 1960: em média, 2,6 vezes mais secas, 2,8 vezes mais inundações e 6,8 vezes mais ondas de calor. Em Tefé, esses efeitos são agravados por fatores sociais como pobreza e falta de acesso a serviços.

Dados da Secretaria Municipal de Saúde de Tefé confirmam a tendência. Durante a estiagem de 2024 (setembro a dezembro), a faixa etária de 1 a 4 anos registrou o maior número de atendimentos: 258. A segunda faixa mais afetada foi a de 5 a 9 anos, com 152 atendimentos. Os sintomas mais comuns incluem diarreia, tosse seca, coriza, dermatites, febre e gastrointerites.

Educação e acesso à saúde interrompidos

Os eventos extremos não afetam apenas a saúde física; eles agravam a insegurança alimentar e a instabilidade no acesso à educação.

A reportagem também visitou as comunidades de São João do Bacuri e Bom Jesus da Ponta da Castanha, na região do lago Tefé. Nas três localidades, as aulas precisaram ser suspensas por um período de um a dois meses durante a seca extrema. Os rios secaram a tal ponto que os professores não conseguiam chegar às escolas.

Em São João do Bacuri, onde vivem 280 pessoas (sendo 68 crianças), há escola, mas nenhum posto de saúde. A moradora Daisyane Oliveira, 36, vivenciou o drama do isolamento. Em sua última gestação, durante a seca, ela entrou em trabalho de parto e precisou andar por quase uma hora na lama até alcançar uma canoa. Ela só chegou ao hospital em Tefé três horas depois.

Enquanto se recuperava da cesárea, seu recém-nascido teve problemas respiratórios devido à fumaça das queimadas, forçando-a a retornar à cidade para buscar atendimento. Mãe de sete filhos, Daisyane vê o impacto também no aprendizado. Seu filho de 10 anos teve as aulas interrompidas pela seca. “Acho que a educação dele ficou prejudicada. Quando parou, as notas abaixaram. Ele ainda está aprendendo a ler, e já deveria saber”, analisa a mãe.

*Com informações da Folha de São Paulo

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