De monitoramento de bases policiais a planejamento de ataques, o uso de drones na Amazônia por grupos como PCC, CV e “piratas dos rios” expõe novos desafios de segurança e a defasagem tecnológica das autoridades na tríplice fronteira.
O uso de drones na Amazônia pelo crime organizado transformou drasticamente o cenário da segurança pública na região. Facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), além de grupos locais conhecidos como “piratas dos rios”, estão empregando tecnologia avançada para monitorar a polícia, coordenar o transporte de drogas e planejar saques a embarcações. Autoridades de segurança ouvidas pela reportagem relatam uma escalada significativa no uso desses equipamentos, que frequentemente superam os das próprias forças policiais, em uma demonstração de que as operações criminosas “não são mais na cara e na coragem”.
Este avanço tecnológico, que inclui também a rápida adoção da rede de satélites Starlink, de Elon Musk, ocorre em um contexto complexo de sobreposição de crimes, como o “narcogarimpo”, e evidencia os desafios logísticos enfrentados pelo Estado na maior floresta tropical do mundo.
A vigilância que vem do céu: flagrantes e fugas
Um episódio recente ilustra a nova realidade tática. No início da noite, uma equipe da Polícia Militar do Amazonas entrou discretamente na mata próxima ao território indígena Guanabara, na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru. A inteligência indicava que uma embarcação com toneladas de pasta base de cocaína usaria um igarapé para evitar a fiscalização em Tabatinga e Benjamin Constant.
Os policiais montaram campana para a madrugada, mas foram surpreendidos. “Deu uma hora da manhã, levantamos nosso drone e ele acusou outro nos monitorando. Era o drone dos ‘caras'”, relatou ao Estadão o major Jonatas Soares, comandante do batalhão da PM no Alto Solimões. Os traficantes não foram localizados.
Acredita-se que a carga era a mesma apreendida dias depois em Manacapuru (região metropolitana de Manaus): 6,5 toneladas de cocaína e skank (supermaconha), a maior apreensão da história do Amazonas. O drone que monitorava a polícia, contudo, nunca foi encontrado.
O uso de drones na Amazônia e a resposta oficial
O aumento do uso de drones na Amazônia é confirmado pelas autoridades. Em agosto, o secretário de Segurança Pública do Amazonas, Marcus Vinicius Oliveira, admitiu a prática. “(As facções) Usam muito drone nos rios para monitorar nossas bases (postos policiais fluviais) e lanchas. Já estamos em vias de aquisição de equipamentos para fazer a intervenção”, afirmou.

Os relatos concentram-se no Alto Solimões e nos arredores de Coari, pontos estratégicos para o narcotráfico. A tecnologia não se restringe aos traficantes; há relatos de uso intenso por “piratas dos rios” para saquear embarcações e por grupos de garimpo ilegal.
Starlink e a superioridade tática do crime
A tecnologia dos criminosos, em alguns casos, é mais sofisticada que a da própria polícia. Além dos drones, a rede de satélite Starlink se alastra pela região, garantindo comunicação de alta velocidade em áreas remotas.
“A principal ameaça é a comunicação, que (os criminosos) fazem a todo custo”, explica César Mello, coronel da reserva da PM do Pará e pesquisador sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ele nota que o crime absorve as mudanças tecnológicas antes mesmo das forças de segurança.
Este avanço contrasta com o baixo investimento em policiamento. Tabatinga, principal porta de entrada de ilícitos, possui cerca de 60 policiais, enquanto sua vizinha colombiana, Letícia, tem um efetivo dez vezes maior. Uma base fluvial da Polícia Federal instalada em Tabatinga em 2015 foi desativada anos depois. Atualmente, as quatro bases fluviais em operação no Amazonas são mantidas pelo Estado. A PF não esclareceu o motivo do fechamento da base.
Em março, uma operação da PM em Benjamin Constant encontrou um ponto logístico de piratas, resultando em dois mortos e três presos. No local, foram apreendidos um drone e uma antena Starlink, além de armas e munição de fuzil.
O impacto nas terras indígenas e o ‘narcogarimpo’
Relatos do avistamento de drones na Amazônia aumentaram há cerca de dois anos. No final de 2023, a comunidade indígena de Ourique (Tabatinga) acionou a polícia após notar um “objeto estranho” sobrevoando a aldeia, uma rota alternativa para cargas ilícitas. O medo de ataques levou mães a proibir os filhos de ir à escola.
Orlando Possuelo, assessor técnico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), confirma reclamações similares em outras aldeias, como as do povo Tikuna. Segundo ele, algumas comunidades indígenas passaram a usar seus próprios drones para proteção.
Especialistas apontam uma sobreposição de crimes, como o “narcogarimpo” (mineração ilegal financiada pelo tráfico), que utiliza as mesmas redes logísticas. A região, marcada pelos assassinatos de Dom Phillips e Bruno Pereira em 2022, é um foco dessa tensão. A ameaça à floresta ganha destaque às vésperas da Cúpula do Clima (COP-30) em Belém.
Novas logísticas e confrontos fluviais
O uso de drones na Amazônia está associado a uma mudança estratégica. “Não vão mais na cara e coragem desde a fronteira até Manaus”, afirma o major Jonatas Soares.
Consórcios criminosos agora avançam em fases, usando pontos de apoio na mata e pequenas canoas para não levantar suspeitas, enquanto os drones monitoram a fiscalização.
Os equipamentos também são usados para vigiar grupos rivais. Em junho de 2023, em Juruá, moradores das comunidades Tamaniquá e Uará relataram um drone à noite, seguido de um intenso confronto a tiros no rio por mais de uma hora, supostamente entre traficantes e piratas. Após o tiroteio, os drones passaram a sobrevoar as comunidades todas as noites.
A SSP enviou uma lancha blindada de Coari. Após quatro dias de incursões sem sucesso, a lancha deixou a área. Logo depois, uma embarcação com supostos narcotraficantes desceu o rio. Segundo o tenente-coronel Pedro Moreira, comandante em Coari, esses drones têm grande autonomia (5 a 10 km) e alguns possuem tecnologia de imagem térmica.
Em nota, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que operações no Amazonas desde o ano passado resultaram em 279 prisões e na apreensão de 1,5 tonelada de drogas, totalizando R$ 3,9 milhões em bens. Recentemente, uma operação conjunta (Funai, Ibama, Exército e PF) desarticulou estruturas de garimpo ilegal nos rios Solimões, Içá, Puretê e Jandiatuba.
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