Manobra do governo francês visa bloquear votações decisivas no Conselho Europeu; futuro do tratado comercial, negociado há 25 anos, corre risco de congelamento indefinido.
O destino do acordo Mercosul-UE encontra-se em um momento crítico, com o governo da França intensificando seus esforços diplomáticos para inviabilizar a assinatura do tratado. Em uma movimentação estratégica realizada neste domingo (14), o gabinete do primeiro-ministro francês, Sébastien Lecornu, formalizou um pedido para adiar as votações previstas para esta semana no Parlamento e no Conselho Europeu. O objetivo de Paris é claro: impedir a ratificação de um pacto que criaria uma das maiores zonas de livre comércio do mundo, mas que enfrenta forte resistência do protecionismo agrícola europeu.
As votações, agendadas originalmente para terça-feira (16) e quinta-feira (18), representam as últimas etapas burocráticas necessárias para que a Comissão Europeia possa finalmente firmar o compromisso. A expectativa inicial era de que a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, viajasse à América do Sul imediatamente após a aprovação para participar da Cúpula do Mercosul, que ocorre neste sábado (20) em Foz do Iguaçu. No entanto, a ofensiva francesa coloca todo esse cronograma — e a própria sobrevivência do tratado — em xeque.
Resistência agrícola e as “cláusulas espelho”
No centro do impasse sobre o acordo Mercosul-UE está a pressão interna que o governo francês sofre de seus agricultores. A França, maior produtora agrícola da Europa, argumenta que o tratado exporia seus produtores a uma concorrência desleal. O temor é que uma “enxurrada” de produtos sul-americanos, especialmente carne bovina, frango e açúcar, inunde o mercado europeu com preços mais competitivos e, segundo os franceses, com normas ambientais e sanitárias menos rigorosas.
Para mitigar essas preocupações, a Comissão Europeia propôs, em outubro, um sistema de salvaguardas que limitaria importações em caso de saturação do mercado. Contudo, Paris considerou as medidas “incompletas”. O governo francês exige a inclusão de “cláusulas espelho”, que obrigariam os produtores do Mercosul a seguir estritamente as mesmas regras da UE sobre pesticidas e bem-estar animal.
O cenário é agravado por surtos recentes de doenças no gado europeu e protestos de pecuaristas, que acusam o governo de sacrificar o setor rural em prol de interesses comerciais globais. Grupos de oposição, tanto de extrema-direita quanto de extrema-esquerda, utilizam o tratado como munição política, acusando Emmanuel Macron e Lecornu de submissão a Bruxelas.
O fator Itália e a matemática do bloqueio
Para que o acordo Mercosul-UE seja aprovado no Conselho Europeu, é necessário o aval de pelo menos 15 países que representem, juntos, 65% da população do bloco. A França, isoladamente, não possui votos suficientes para vetar a proposta. Por isso, a estratégia de Paris voltou-se para Roma.
Segundo fontes diplomáticas, a França estaria muito próxima de conquistar o apoio da Itália. Embora a confederação industrial italiana seja favorável ao livre comércio devido às oportunidades de exportação de manufaturados, o setor agrícola do país compartilha das mesmas dores dos franceses. Se a Itália se juntar à França, Polônia, Irlanda e Bélgica — países que já manifestaram ceticismo ou oposição —, forma-se uma “minoria de bloqueio” (quatro Estados-membros representando 35% da população da UE).
Nesse xadrez geopolítico, a Itália tornou-se o fiel da balança. O governo italiano indicou que definirá sua posição final durante a cúpula da UE nesta quinta-feira, momento que pode selar o destino de 25 anos de negociações.
Expectativa brasileira e riscos geopolíticos
Do lado sul-americano, o Brasil tem liderado a campanha pela aprovação. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva empenhou capital político pessoal, prometendo, inclusive em visita ao Palácio do Eliseu, que o tratado sairia ainda sob a presidência brasileira do Mercosul, que termina no fim de dezembro. O governo brasileiro mantém a estrutura pronta para a cerimônia de assinatura em Foz do Iguaçu, aguardando apenas o sinal verde de Bruxelas.
Analistas alertam que o adiamento solicitado pela França pode ser fatal para o tratado. Caso a votação não ocorra agora, Paris ganha tempo para enterrar definitivamente o acordo, apostando na perda de ímpeto político com a troca da presidência do Mercosul.
Para a União Europeia, o fracasso representaria uma derrota estratégica. Em um momento global marcado pelo retorno de tarifas protecionistas dos Estados Unidos sob Donald Trump e pela agressiva concorrência chinesa, o bloco europeu perderia a chance de garantir acesso privilegiado a um mercado consumidor gigante e a fontes cruciais de matérias-primas. Enquanto Alemanha, Espanha e Portugal defendem a visão de que o acordo é vital para a economia europeia, a França joga todas as suas cartas para manter as barreiras erguidas.
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