Em manobra para tentar blindar Bolsonaro e generais, deputados aprovam o Projeto da Dosimetria que reverte endurecimento da Lei Antifacção e cria “presente de Natal” para o crime organizado
A Câmara dos Deputados protagonizou nesta semana um episódio de incoerência legislativa com graves consequências para a segurança pública nacional. Ao votar e aprovar o polêmico Projeto da Dosimetria, os parlamentares estabeleceram um regime carcerário significativamente mais brando do que o previsto na recém-votada Lei Antifacção. O objetivo político nos bastidores seria favorecer o ex-presidente Jair Bolsonaro e oficiais generais investigados por tentativa de golpe, mas o resultado prático foi um “presente” para a cúpula do crime organizado, beneficiando nomes como Marcola, Fernandinho Beira-Mar e André do Rap.
O texto aprovado reverte modificações cruciais da Lei de Execuções Penais (LEP), derrubando de um terço a quase pela metade o tempo de permanência em regime fechado para chefes de facções, milicianos, autores de crimes hediondos e feminicidas. Caso o Senado confirme a aprovação do Projeto da Dosimetria nos moldes atuais, a legislação que visava aliviar a situação de políticos acabará por soltar as amarras de criminosos de alta periculosidade muito antes do previsto.
Projeto da Dosimetria anula avanços da Lei Antifacção
A contradição é gritante. Um dos únicos pontos de consenso na Lei Antifacção, votada pelo Senado na terça-feira sem alterações do texto original da Câmara, foi desfeito pelos próprios deputados horas depois, durante a votação do Projeto da Dosimetria.

A medida reduz drasticamente o tempo que criminosos devem permanecer em regime fechado antes de progredirem para o semiaberto. A manobra ignora o que o próprio Senado havia aprovado na Lei Antifacção na noite anterior. O novo texto, apoiado inclusive por parlamentares que defendem a pauta da segurança pública, como Guilherme Derrite (PP-SP), altera novamente o artigo 112 da Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/1984).
Logo no início do texto, o Projeto da Dosimetria estabelece que a progressão para o regime semiaberto ocorrerá após o cumprimento de apenas um sexto da pena. As exceções criadas nos incisos subsequentes, relatadas pelo deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), acabaram por afrouxar as regras. O relator, seguido pela bancada bolsonarista, fixou em 25% o tempo de cadeia fechada para crimes com grave ameaça ou violência contra a vida e o patrimônio, excluindo restrições anteriores para crimes contra a administração pública, fé pública e crimes sexuais.
O impacto direto: Redução de penas para crimes hediondos
A confusão legislativa gerada pelo Projeto da Dosimetria cria um cenário onde a punição para crimes hediondos se torna mais leve do que a proposta original de combate ao crime organizado. Enquanto a Lei Antifacção exigia o cumprimento de 70% da pena para condenados primários por crimes hediondos ou equiparados progredirem de regime, o novo projeto mantém os atuais 40% (dois quintos).
Advogados criminalistas em todo o país já se preparam para utilizar essa brecha. Se o crime hediondo tiver resultado morte, o Projeto da Dosimetria exige o cumprimento de 50% da pena em regime fechado. Em contraste, a Lei Antifacção previa uma exigência de 75%.
A benevolência do texto se estende aos líderes de facções. Os incisos VI, VII e VIII do projeto aprovado determinam que condenados por comando de organização criminosa, constituição de milícia privada ou feminicídio cumpram apenas 50% ou 55% da pena. A Lei Antifacção, por sua vez, era taxativa ao exigir 75% de cumprimento em regime fechado para esses mesmos perfis, vedando o livramento condicional.
Comparativo: O tamanho do benefício aos chefes do crime
Para entender a gravidade da aprovação do Projeto da Dosimetria, basta comparar os números. Para reincidentes em crimes hediondos, a Lei Antifacção exigia o cumprimento de 80% da pena, subindo para 85% se houvesse resultado morte. O novo projeto restabelece os patamares da antiga LEP: 60% para reincidentes de crimes hediondos e 70% para casos com morte.
Essa diferença percentual representa anos a menos de cárcere para figuras centrais do narcotráfico e das milícias. A incoerência levanta questionamentos sobre se o plenário da Câmara votou sem ler o conteúdo ou se a intenção de blindar aliados políticos falou mais alto, independentemente do custo para a segurança pública.
Alerta: Milhares de revisões penais à vista
A situação pode se agravar ainda mais. Vladimir Aras, professor de Direito e procurador-regional da República, emitiu um alerta contundente sobre os efeitos colaterais do Projeto da Dosimetria. Segundo ele, a medida pode desencadear uma onda de revisões criminais em todo o Brasil.
“A lei não beneficiará apenas as pessoas comuns condenadas pelo 8 de janeiro. Pelo princípio da analogia ‘in bonam partem’, centenas de milhares de criminosos condenados em concurso de crimes serão beneficiados com as recontagens de suas penas, para menos”
Escreveu Aras em sua rede social.
LEI DA DOSIMETRIA
O problema desse projeto de lei, impropriamente chamado de “dosimetria”, está nos seus efeitos colaterais, ainda não inteiramente mapeados.
Veja, por exemplo, este novo artigo:
“Art. 359-M-A. Quando os delitos deste Capítulo estão inseridos no mesmo… pic.twitter.com/2kubvjxLwb
— Vladimir Aras 🇧🇷 (@VladimirAras) December 10, 2025
A tramitação acelerada e as constantes mudanças nos textos revelam uma “esculhambação” no processo legislativo. Assim como ocorreu na PEC da Blindagem, a pressa em aprovar matérias complexas resultou em um “abacaxi” jurídico que agora caberá aos senadores descascar, sob o risco de verem os maiores criminosos do país voltarem às ruas muito antes do esperado.
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