Cerca de um terço das cidades brasileiras, quase 1.800 no total, estão enfrentando um déficit significativo de profissionais médicos no serviço público, com menos de um médico para cada mil habitantes. Os dados são provenientes do Cnes (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde) e revelam uma realidade preocupante que compromete o acesso universal à saúde, um direito constitucionalmente garantido.
Em algumas localidades, a taxa de médicos por mil habitantes chega a ser alarmantemente baixa, com apenas 0,2 médicos. Isso contrasta com a média nacional de 2,6 médicos por mil habitantes. Por exemplo, São Pedro da Água Branca, no Maranhão, situada na divisa com o Pará, conta com apenas quatro profissionais para atender aproximadamente 14.380 pessoas.
As informações foram levantadas pelo Instituto República.org, com base no Cnes. A Demografia Médica Brasileira, publicada em fevereiro pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pela USP, já havia apontado a desigualdade na distribuição de médicos tanto no setor público quanto no privado. Os dados atuais focam exclusivamente na rede pública.
Os municípios têm um papel central na atenção primária, que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), é capaz de resolver cerca de 80% das demandas de saúde de uma pessoa ao longo da vida. Esse nível de assistência engloba serviços como pré-natal, vacinação e cuidados para doenças crônicas.
Segundo Arthur Aguillar, diretor de políticas públicas do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps), a atenção primária demanda um contato próximo com os habitantes para compreender suas necessidades. Por isso, é responsabilidade das prefeituras.
Embora moradores de cidades pequenas devam ter acesso a outros níveis de atendimento por meio da regionalização, que integra sistemas de saúde estaduais ou de grandes centros aos municípios menores, na prática essa coordenação muitas vezes não ocorre.
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), recentemente determinou que novos cursos de medicina atendam às regras do Mais Médicos, que busca abrir cursos em regiões com menor número de profissionais. O Ministério da Educação (MEC) ainda não divulgou quantos cursos terão sua abertura impedida por essa decisão.
Segundo César Eduardo Fernandes, presidente da AMB, a quantidade elevada de faculdades de medicina não garante profissionais mais qualificados ou melhor distribuídos pelo país. Ele enfatiza que, além da quantidade, é necessário garantir a qualidade e a qualificação dos médicos.
Fernandes destaca também que muitas cidades pequenas não possuem estrutura suficiente nem para o atendimento primário. Faltam tratamentos, ferramentas de diagnóstico e outras infraestruturas nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), o que afasta profissionais dessas localidades.
Para atrair médicos para o interior, Fernandes aponta que é crucial oferecer uma melhor estrutura de trabalho, qualidade de vida na cidade e remunerações mais atrativas. Ele salienta que a valorização também deve se estender a outros profissionais de saúde, como enfermeiros, que desempenham um papel importante na atenção primária.
Outro desafio é a cultura de especialização, que incentiva os profissionais a se aprofundarem em áreas específicas e distanciam os médicos da medicina da família, voltada à atenção primária, reduzindo o número de profissionais para as UBS e contribuindo para a defasagem do índice de médicos no setor público.
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