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Projeto bilionário da Hidrovia Tocantins impulsiona o agro, mas ameaça ribeirinhos da Amazônia

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Um projeto ambicioso para transformar o Rio Tocantins em um corredor de exportação de grãos está no centro de uma intensa batalha judicial e social. A proposta de abertura da Hidrovia Tocantins (parte do sistema Araguaia-Tocantins) prevê a detonação de um trecho de 35 km de corredeiras rochosas, conhecido como Pedral do Lourenço, no estado do Pará. O objetivo é permitir a passagem de grandes barcaças durante todo o ano, viabilizando uma nova rota para o crescente cinturão agrícola tropical do Brasil.

Para o agronegócio, a obra de US$ 7,3 bilhões (que inclui ainda 177 km de dragagem) é estratégica. Ela pode tornar as exportações de soja e milho pela Bacia Amazônica comparáveis às do Rio Mississipi, nos EUA. Segundo o governo brasileiro, a hidrovia poderia transportar cerca de 20 milhões de toneladas métricas de grãos anualmente.

Especialistas em logística, como Thiago Pera, apontam que o transporte fluvial por barcaças é cerca de 60% mais barato que o rodoviário para médias e longas distâncias, reduzindo custos de frete e consolidando a supremacia brasileira no comércio global de grãos.

Defensores da causa, incluindo o governador do Pará, Helder Barbalho, argumentam que as vantagens de um transporte de carga mais barato e limpo (retirando caminhões poluentes das estradas) superam as desvantagens. “O estado do Pará acredita ser possível conciliar a preservação ambiental com o desenvolvimento econômico”, afirmou Barbalho.

Hidrovia Tocantins: desenvolvimento para uns, ameaça para outros

No entanto, para as comunidades ribeirinhas que vivem ao longo das corredeiras, o projeto representa uma ameaça direta à sua sobrevivência. É o caso de Welton de Franca, que, assim como seu pai, pescou a vida inteira entre as rochas onde bagres e tucunarés se aglomeram na lua crescente.

“Não podemos ir a lugar nenhum sem nossos barcos. Vivemos da pesca”, disse Franca, cuja família se estabeleceu em uma ilha com vista para as rochas quando ele tinha 12 anos.

Procuradores federais tentam impedir o projeto na justiça, instando os tribunais a considerarem os impactos severos sobre essas comunidades. Durante audiências judiciais realizadas no local no final de setembro, ribeirinhos relataram aos magistrados o temor de que o tráfego intenso e perigoso das barcaças substitua suas pequenas embarcações de pesca.

A dependência do rio é total. O pai de Franca, por exemplo, leva seus dois netos de barco para a escola todos os dias. Na vila de Tauiry, vizinhos atravessam diariamente na direção oposta para colher cocos de babaçu, outra fonte de sustento crucial que pode ser inviabilizada.

Alertas sobre biodiversidade e impacto climático indireto

Os impactos não seriam apenas sociais. Pesquisadores alertam que a biodiversidade do rio sofreria um golpe severo. Alberto Akama, do Museu Emilio Goeldi, financiado pelo Estado, adverte que as explosões destruiriam corredeiras raras. Essas formações rochosas são habitats cruciais onde peixes ameaçados de extinção se reúnem, tartarugas se reproduzem e botos se alimentam.

O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) autorizou as detonações, mas impôs condições: elas devem ocorrer fora dos períodos reprodutivos e migratórios mais sensíveis. A agência também exigiu medidas para monitorar e realocar ninhos de tartarugas. O DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) informou que equipes trabalharão para afugentar os animais das rochas antes das explosões.

O debate sobre a Hidrovia Tocantins ocorre em um momento crítico, a poucos meses da cúpula climática COP30 da ONU, que será realizada a cerca de 500 km rio abaixo, em Belém.

Embora a hidrovia possa reduzir emissões diretas ao diminuir o fluxo de caminhões, o impacto indireto preocupa. A principal fonte de gases de efeito estufa no Brasil é o desmatamento. A hidrovia serve justamente à região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), onde a fronteira agrícola mais avança sobre o Cerrado e a Amazônia. Um frete mais barato tende a incentivar ainda mais essa expansão.

Um estudo do centro de estudos Iniciativa de Política Climática (CPI) sobre um projeto ferroviário similar, a Ferrogrão, ilustra o risco. O CPI constatou que, embora a ferrovia reduzisse 1 milhão de toneladas de emissões diretas (caminhões), ela adicionaria cerca de 60 milhões de toneladas de emissões indiretas ao impulsionar o desmatamento.

“Para nós, é sobrevivência”

Para Maria de Sousa, uma das mulheres de Tauiry que vive da coleta do babaçu para produzir óleo de cozinha e farinha, o futuro é incerto. Ela relata que seu modo de vida já está ameaçado pela expansão das fazendas, que chegam a envenenar os coqueiros nativos. “Se abrirem o canal, não conseguiremos colher os cocos”, disse Sousa. “Dizem que o babaçu é uma praga… mas para nós, que quebramos cocos, é questão de sobrevivência.”

O sentimento é compartilhado por outros líderes locais. “Vamos perder espaço no rio para as barcaças que transportam minério de ferro e produtos agrícolas”, lamentou o líder comunitário Ademar de Souza. “Não temos certeza sobre o futuro.”

*Com informações da Reuters

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