Com pouco mais de um ano para atender ao prazo da Política Nacional dos Resíduos Sólidos e erradicar de vez os lixões a céu aberto, a maioria dos municípios do interior do Amazonas ainda possui aterros irregulares ativos. A problemática é especialmente atenuada nas cidades do interior do estado, que não têm recursos próprios para implantar aterros sanitários.
Além de prejudicar a paisagem urbana, os lixões representam um grave problema ambiental, social e econômica para o Amazonas. De acordo com dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), o amazonense médio produz 1,14kg de lixo por dia, um índice maior do que a média do país, de 0,95kg/hab.
A situação é ainda mais preocupante devido ao rico bioma no qual o estado está inserido, já que a Amazônia abriga a maior biodiversidade do planeta, e possui abundância hídrica, que pode ser comprometida pela contaminação de resíduos descartados de maneira incorreta.
Acabar com esse cenário não é tarefa fácil. Em 2010, a Política Nacional dos Resíduos Sólidos definiu a extinção de todos os lixões no Brasil até 2014. No entanto, essa meta não foi alcançada e, dez anos depois, aproximadamente 3 mil desses locais ainda estavam em operação em todo o país. Em 2020, com o Novo Marco Legal do Saneamento, os municípios tiveram um novo prazo para acabar com os seu aterros irregulares: até o segundo semestre de 2024, segundo critérios populacionais.
Impactos ambientais
Lixões a céu aberto desencadeiam uma série de impactos negativos no meio ambiente. A decomposição de resíduos orgânicos gera a liberação de gases de efeito estufa, como o metano, contribuindo significativamente para as mudanças climáticas. Além disso, a contaminação do solo e das águas subterrâneas ocorre devido à infiltração de substâncias tóxicas presentes nos resíduos, como metais pesados e produtos químicos perigosos.
Lilyanne Rocha Garcez, professora do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal do Amazonas, e especialista na área de ciência ambiental, gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, diz que a contaminação do solo causada por esses lixões e os chamados aterros controlados podem causar consequências devastadoras.
“O problema é ainda mais complexo levando em conta a região em que vivemos, que é a região amazônica. O nosso índice pluviométrico é elevadíssimo, ou seja, chove muito. Essa água da chuva, misturada ao líquido resultante da decomposição dos resíduos orgânicos, chamada comumente de chorume, e ainda aos restos de produtos químicos, remédios e etc. que descartamos em lixeiras comuns, passa pelo processo de evapotranspiração, ou o ciclo da água. […] Então, toda essa contaminação vai para a atmosfera em forma gasosa, e cai sobre nós com a chuva. Essa chuva contaminada entra também nos nossos lençóis freáticos e nos igarapés, que servem de fonte de água para nós”, enfatizou Lilyanne.

Impactos à saúde
De acordo com Geani Barroso, engenheira ambiental e gerente de Riscos Não Biológicos do Departamento de Vigilância Ambiental (DVA) da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas – Drª Rosemary Costa Pinto (FVS-RCP), o descarte de lixo nesses locais causa também a atração de vetores de doenças, como roedores e insetos, que representam sérios riscos à saúde das comunidades próximas, como dengue, malária, leptospirose e problemas dermatológicos.
A poluição e o desmatamento resultantes da manutenção de lixões afetam negativamente também a flora e a fauna da região, levando ao desaparecimento de espécies vegetais e animais, o que acaba por causar uma séria ameaça à perda do equilíbrio ecológico e ameaça a sustentabilidade do ecossistema amazônico.
Combate
Para combater os danos causados pelo descarte incorreto de lixo a céu aberto, é fundamental implementar medidas eficazes. A professora Lilyanne Garcez diz que o que falta para o Amazonas são soluções técnicas:
“Desde criança, aprendemos sobre resíduos. Ainda no maternal, aprendemos que temos que jogar nosso lixo no cesto, além dos programas ambientais de conscientização nas escolas, que existem há muito tempo. O que nos falta é mais conhecimento técnico, e o entendimento de todos os impactos que os resíduos descartados incorretamente podem acarretar”, explicou a especialista.
Ainda de acordo com a Professora, as medidas que podem ser adotadas incluem:
- Investimento em infraestrutura adequada de gerenciamento de resíduos, como a construção de aterros sanitários e a promoção da reciclagem;
- Educação e conscientização ambiental para incentivar a redução, reutilização e reciclagem de resíduos;
- Implementação de políticas públicas que priorizem a gestão adequada dos resíduos sólidos, incluindo regulamentações mais rígidas e fiscalização efetiva;
- Incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologias sustentáveis para o tratamento e recuperação de resíduos.
Alternativas
Os aterros sanitários são uma alternativa viável para acabar com os lixões. Os aterros sanitários são estruturas projetadas para receber e armazenar os resíduos de forma controlada, seguindo critérios técnicos e ambientais.
Os locais possuem sistemas de impermeabilização do solo, sistemas de drenagem e tratamento do chorume (líquido resultante da decomposição dos resíduos) e monitoramento constante para evitar a contaminação do solo e das águas subterrâneas. Além disso, a captação do biogás gerado no processo pode ser utilizada como fonte de energia.
Outra alternativa é a implementação de sistemas de reciclagem e compostagem. A reciclagem permite a reutilização de materiais como papel, plástico, vidro e metal, reduzindo a extração de recursos naturais e a demanda por energia.
Já a compostagem consiste na decomposição de resíduos orgânicos, como restos de alimentos e podas de jardim, transformando-os em adubo natural. Essas práticas ajudam a diminuir a quantidade de resíduos enviados aos lixões e aterros sanitários, além de promover a economia circular e a preservação do meio ambiente.
Sabendo do aumento da produção de resíduos e os impactos ambientais associados, torna-se crucial adotar práticas sustentáveis para minimizar o desperdício e preservar os recursos naturais. Nesse sentido, os projetos de reciclagem do Amazonas prestam um enorme serviço à sociedade.
Em primeiro lugar, a reciclagem e o reaproveitamento de resíduos contribuem para a redução da quantidade de lixo destinado a aterros sanitários, aliviando a pressão sobre o meio ambiente.
Gestão de Resíduos, Educação Ambiental e Geração de Renda
Em Manaus, uma inciativa que vem se destacando na conscientização ambiental é o projeto ‘Gestão de Resíduos, Educação Ambiental e Geração de Renda’, da Fundação Amazônia Sustentável (FAS). O projeto atua em todas as frentes, desde a conscientização da sociedade acerca dos perigos do descarte incorreto e benefícios trazidos pela reciclagem, ao recolhimento ativo de resíduos sólidos recicláveis para utilização em outros meios, como a produção de novos materiais.

Assim como o projeto da FAS, todos os projetos de reciclagem e reaproveitamento promovem a conscientização ambiental e a mudança de comportamento da sociedade. Ao incentivar a separação correta dos resíduos e a participação ativa dos cidadãos nesse processo, esses projetos estimulam a responsabilidade individual e coletiva em relação ao meio ambiente.
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